Um bebê morreu durante o parto na Maternidade Estadual de Caieiras, na Grande São Paulo na manhã do último dia 6. A mãe da criança, Verônica Silva Alves, disse ao G1 que a equipe médica ‘forçou’ o nascimento do bebê por parto normal, que foi pressionada por várias horas até sentir que o bebê estava sem vida. Só então foi feita o parto por cirurgia cesárea.
“Todos tocavam em mim com agressividade, um atrás do outro. E desde o começo eu insistindo que deveria ser por cesareana”, afirmou (leia o depoimento mais abaixo).
Em nota, a Secretaria Estadual da Saúde disse que Verônica foi imediatamente atendida e acompanhada pela equipe médica da Maternidade Estadual de Caieiras para evolução do parto normal, com avaliações médicas e exames para verificar os estados de saúde da mãe e do bebê. “Durante uma das avaliações, foi detectada mudança de posição do feto e frequência cardíaca. Em razão disso, a equipe optou por fazer uma cesárea. Durante o procedimento foi constatada ruptura longitudinal do útero, que causou óbito fetal. Para preservar a vida da mãe, foi realizada histerectomia (retirada do útero) de emergência”, diz a nota.
A Polícia Civil instaurou inquérito para apurar o caso e quer ouvir o depoimento da mãe e depois da equipe médica.
Veja o depoimento da mãe
Meu nome é Verônica Silva Alves, tenho 35 anos.
A gestação do Josué foi tranquila, com muito repouso, seguindo toda a orientação do médico.
No dia 5 de setembro, por volta das 21 horas, falei para o meu marido: ‘o bebê vai nascer hoje’. Fomos para o hospital. Me examinaram, fizeram um ultrassom, vimos que estava tudo bem. Disseram que o nascimento seria naquela noite e que me internariam. Até então, eu não estava em trabalho de parto, então colocaram um comprimido para que a bolsa rompesse. Começou a dar contração, a bolsa rompeu. Durante a madrugada, senti contrações.
E a partir daí eu sofri demais. Começaram a me pressionar, judiar, e eu sem saber o que fazer. ‘Doutor, meu bebê não vai nascer por parto normal, ele está de lado, como mostra o raio-X’, eu dizia. E começaram a matar meu filho dentro mim, me chamando de preguiçosa, dizendo ‘você é mãe de quatro filhos, como está com preguiça? Está com preguiça de por força para o bebe nascer. Se não fizer esforço, se algum problema acontecer, a culpa vai ser sua’, diziam, especialmente o doutor, mas toda a equipe dele me tratou muito mal. Fizeram tudo que podiam para me judiar. Todos eles estavam com este comportamento. Todos tocavam em mim com agressividade, um atrás do outro. Parecia um monte de urubu em cima da carniça. E desde o começo eu insistindo que deveria ser por cesareana.
Amanheceu e eu estava com muita dor. Umas 11 horas, mais ou menos, a contração parou. Pensei: ‘morreu agora’. Quando pararam as contrações eu sabia que o coração do bebê tinha parado. Chegou uma médica japonesa que não estava na equipe. Me examinou e disse ‘Rápido, pega a maca e vamos pra mesa de cirurgia para fazer cesareana agora’. Ela que me salvou, se não o doutor me mataria. E então correram para a mesa de cirurgia urgente.
Eu estava calma o tempo todo, sempre avisando que deveria ser por parto normal. Quando a contração parou, eu também não fiz escândalo porque eu entrei em choque e parei de falar. Entrei em choque. Fiquei muda.
Na mesa de cirurgia, senti que estava morrendo também, pois eu estava perdendo a fala e me lembro das médicas tentando me animar, dizendo pra eu falar mais alto. Eu levei anestesia e não ouvi choro, nada. Tentaram enganar meu esposo. Disseram que ele nasceu respirando. Isso é mentira. Tiraram meu esposo de cena, não o deixaram acompanhar o nascimento.
No dia seguinte, me contaram que meu útero ‘teve que ser removido’, pois estaria contaminado por conta da morte do bebê. Disseram ‘seu útero rasgou que nem papel’. Não explicaram nada sobre meu útero. Disseram que tiveram que tirar e insinuaram que o bebê que contaminou.
Ainda estou me recuperando, perdi muito sangue. No outro dia, um médico que não estava na equipe me disse que passou por ali e viu a equipe puxando sangue com rodo, que era um milagre eu estar viva.
Depois da cirurgia, me levaram para outro quarto e fiquei à base de remédios e havia uma bolsa de sangue comigo. Eu dormi pouco até o sábado (8), quando deixei o hospital. Estava preocupada. Veio psicóloga, conselheira, para orientar, conversar. Me lembro que chegou um médico no dia seguinte e deu uma prancheta para que eu assinasse um papel. Eu assinei, mas estava sedada. Não deveria ter assinado. Meu esposo não estava lá, estava cuidando do enterro do bebe. Nem vi meu bebê. Só o vi por foto, cortado de gilete.
Desde então, tomei todos os remédios e agora só o sulfato ferroso. Estou melhorando aos poucos. Tem hora que dá uma recaída. Fica tudo branco. Falo coisas e não lembro, falo a mesma coisa. Nunca passei por isso. Doei tudo que era do bebê. Tirei os pontos no postinho de saúde aqui perto.
Meu esposo foi na delegacia, registrou BO, fez registro do bebê, atestado de óbito. Agora ele me abandonou. Acho que ficou assustado com tudo também. Disse que não dava mais e decidiu ir embora, sem discussão.
Tenho quatro filhos – uma de 8 (em Francisco Morato), outro de 12 (nascido no Sorocabana), outra de 14 (em Taipas) e outro de 15 (em Pirituba) – com eles, eu não tomei aquele comprimido, nunca tinha tomado; a bolsa sempre rompia com algum instrumento que os médicos usavam. Sempre rompiam a bolsa no hospital e era rapidinho. Meus partos sempre foram ótimos, só esse parto foi difícil. Foi meu primeiro parto em Caieiras. Quando fui lá, achei o hospital grande, tinha aparência de particular, com tudo limpinho.
Não esperava por isso. Planejei o bebê. Fiz planejamento familiar, pensei em operar na sequência. Tem tudo aqui, a papelada do planejamento. Me cuidei, cuidei da alimentação. Cuidei de tudo. Vou seguir em frente. Tenho que ser forte. Meus filhos precisam de mim.
Resposta da Secretaria da Saúde
“A Sra. Verônica Silva Alves teve todo o atendimento necessário na unidade. Todos os protocolos clínicos foram devidamente seguidos. A paciente deu entrada na noite do dia 05 de setembro e foi imediatamente atendida e acompanhada pela equipe médica do hospital, para evolução do parto normal, com avaliações médicas e exames para verificar os estados de saúde da mãe e do bebê. Durante uma das avaliações, foi detectada mudança de posição do feto e frequência cardíaca. Em razão disso, a equipe optou por fazer uma cesárea.
Durante o procedimento foi constatada ruptura longitudinal do útero, que causou óbito fetal. Para preservar a vida da mãe, foi realizada histerectomia (retirada do útero) de emergência. O Hospital Estadual de Caieiras é uma maternidade de referência para gestantes de risco para os cinco municípios da região de Franco da Rocha. A Unidade mantém um serviço de ouvidoria que não registrou nenhuma queixa referente ao caso. A unidade é solidária a perda dos familiares e está à disposição para quaisquer esclarecimentos.”
Nota da Secretaria da Segurança Pública
“A Polícia Civil investiga a morte de um bebê, logo após o nascimento em uma maternidade de Caieiras, na manhã de 6 de setembro. O boletim de ocorrência foi registrado na Delegacia do município pelo pai da criança. A equipe policial aguarda o depoimento da mãe para também convocar equipe médica que prestou atendimento à gestante.”