Bebês eram trancados no banheiro de escola para abafar choro

Duas professoras que trabalhavam na Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica, na Vila Formosa, na Zona Leste de São Paulo, suspeita de tortura contra crianças, disseram que eram orientadas pela diretora a amarrar as crianças em um banheiro para evitar que elas chorassem em sala de aula.

Segundo as professoras, a diretora alegava que queria manter uma “boa impressão”, alegando que “os choros poderiam ser ouvidos pelas pessoas que estivessem passando pela rua da escola ou pais que estivessem visitando o local”, que poderiam imaginar que as crianças estariam sendo maltratadas de alguma maneira.

“Ela mesma levava para o banheiro, até brigava com os professores, questionando o motivo que a criança que estava chorando ainda não tinha sido levada para o banheiro. Quando elas estavam chorando não podiam ficar em sala de aula, porque se alguém estivesse andando na rua e ouvisse a criança chorando ia imaginar que elas podiam estar sendo maltratadas. Ela queria dar a aparência de uma escola perfeita”.

Em nota, as donas da escola citadas pelas mães e pelas professoras, Roberta Regina Rossi Serme e a irmã, Fernanda Carolina Rossi Serme, informaram que, “a Escola de Educação Infantil Colmeia Mágica ME suspendeu as atividades temporariamente”. “Mais do que ninguém a instituição quer saber o propósito dessas acusações incabíveis, inverídicas e aterrorizantes em que foram expostas”, diz o texto.

Polícia apura suspeita de tortura

A Polícia Civil também apura a suspeita de tortura contra crianças na escola. Mães de duas crianças que aparecem em vídeos amarradas e chorando foram ouvidas pela investigação. Elas disseram que seus filhos voltavam para casa feridos e doentes quando saíam do berçário da escola.

Uma professora que prefere não ser identificada, afirmou que sempre que a diretora Roberta Regina Rossi Serme, de 40 anos, ouvia uma criança chorando, ela mesma ia até a sala de aula, reprendia a criança e se ainda assim continuasse chorando, a diretora a levava para o banheiro.

“Ela entrava na sala e mandava a criança calar a boca, quando a criança chorava muito, ela tirava eles da sala de aula e levava até o banheiro e deixava lá trancado no escuro no bebê conforto. Quando era uma [criança] maiorzinha, ela levava para ficar sentado no chão da própria sala por horas, muitas chegavam a dormir sentados de tão cansados”, afirmou a professora que trabalhou no local de novembro até fevereiro no local.

Uma outra professora que trabalhou na escola infantil entre julho e dezembro de 2021, afirmou que assim que começou a trabalhar no local, a própria diretora relatou que costumava “embalar” os bebês para que eles dormissem melhor.

A professora também relatou que com o passar do tempo, além de amarrar os bebês, a diretora também levava eles para o banheiro, apagava a luz e fechava a porta do local. “Ela vinha com a desculpa de que era para evitar que as pessoas da rua ouvissem os choros porque poderiam interpretar isso da maneira errada”.

“Ela se irritava muito com o choro, nós não colocávamos eles no banheiro, sempre tentávamos acalmá-los na sala mesmo. Quando o choro persistia ela entrava nervosa na sala afirmando que não queria criança chorando em sala de aula, nisso ela fazia a amarração e levava a criança para o banheiro, em alguns casos ela pedia para a tia da limpeza ajudar ela”.

Segundo os relatos, cerca de sete professoras trabalhavam no local, uma das professoras ouvidas pelo g1 informou que a equipe tinha medo de repreender ou interferir na prática da diretora. “Ela é a dona, ela dava ordens, porém, eu mesma nunca levaria para o banheiro, muito menos prender eles com lençóis”.

Investigação

A escolinha é investigada desde a semana passada pelos crimes de maus-tratos, periclitação de vida, que é colocar a saúde das crianças em risco, e submissão delas a vexame ou constrangimento por causa dos vídeos que circulam nas redes sociais e mostram maus-tratos a quatro alunos. Dois deles são filhos dessas mães que relataram ter visto os filhos machucados e doentes. Nas filmagens, eles aparecem amarrados e chorando dentro de um banheiro.

Nesta semana, no entanto, a Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) da 8ª Delegacia Seccional, decidiu incluir a tortura após ouvir diversos depoimentos sobre como as crianças eram tratadas na Colmeia Mágica.

Um dos meninos aparece com um machucado na testa e outro está internado em um hospital tomando oxigênio após sentir falta de ar. Os dois ficaram assim depois de deixarem a escolinha.

Menino ferido e outro doente

“Na época eu até mandei mensagem para a diretora perguntando sobre o que tinha acontecido com ele, mas ela não me respondeu. No dia seguinte ela disse que não se recordava de nada, mas que ele podia ter batido em algum brinquedo, até porque, eles vão para a escola e estão sujeitos a se machucar”, disse a autônoma Laura Stramaro, de 34 anos, mãe de um menino de 2 anos.

Em maio de 2021, o filho dela chegou em casa com um hematoma perto da sobrancelha.

“Em novembro do ano passado a diretora e proprietária me ligou dizendo que meu filho estava com dificuldades para respirar. Depois ficou dois dias internado em um hospital para a saturação de oxigênio regularizar”, falou nesta terça-feira (15) a advogada Vitória Costa, 23, mãe de um bebê de 11 meses.

À época as duas mães acharam que os filhos tinham se machucado sozinhos, mas depois de assistirem aos vídeos que mostram seus filhos com os braços imobilizados, enrolados com panos, presos em cadeirinhas de bebê embaixo de uma pia e próximas a uma privada, elas passaram a acreditar que as crianças sofreram maus-tratos.

A diretora citada pelas mães é Roberta Regina Rossi Serme, de 40 anos. Ela e a irmã, Fernanda Carolina Rossi Serme, de 38, são sócias da Colmeia Mágica. A escolinha foi fundada em 2002 e atende crianças 0 a 5 anos, do berçário ao ensino infantil.

Professora teria filmado

Mães de crianças, que tinham seus filhos matriculados na Colmeia Mágica, disseram ao g1 que Roberta convocou uma reunião de emergência com os pais na última sexta-feira (18), quando voltou a negar que tivesse cometido maus-tratos contra as crianças.

“A diretora disse que uma ex-funcionária descontente estava fotografando crianças em situação fora do contexto para prejudicar a escola”, falou a advogada Vitória Costa, de 23 anos, mãe de um menino de 11 meses. “Na reunião nenhum dos pais tinha visto o vídeo dos maus-tratos ainda. Saímos de lá então acreditando na versão dela”.

Essa ex-funcionária é uma professora, segundo os pais. Professoras ouvidas pela reportagem disseram que a própria diretora amarrava as crianças para elas ficarem quietas. Em outras oportunidades, segundo elas, Roberta obrigava as educadoras e outras funcionárias a fazerem isso.

A declaração de Roberta aos pais foi dada um dia depois de a polícia ter ido a Colmeia Mágica cumprir um mandado judicial de busca e apreensão. Foram recolhidos sete lençóis que teriam sido usados para amarrar os bebês que aparecem nos vídeos. Três celulares, incluídos o da diretora, acabaram apreendidos. Todos os objetos serão periciados.

A professora que teria tirado fotos e feito vídeos com as crianças amarradas já foi ouvida pela polícia. A reportagem não conseguiu apurar, porém, o que ela disse. A investigação ouviu a direção, professores e funcionários e está pegando depoimentos de pais para saber se alguém pode ser responsabilizado pelos maus-tratos contra os bebês.