“Esse vírus não é exclusivamente respiratório, mas promove várias alterações inflamatórias e a Kawasaki pode estar nesse pacote”, diz Jamal Suleiman, médico infectologista do Hospital Emílio Ribas (SP)
Em meio à pandemia do coronavírus, o Sistema de Saúde do Reino Unido (NHS, sigla em inglês) notou que nas últimas três semanas, houve um aumento de crianças, no Reino Unido, com inflamação multissistêmica, com o desenvolvimento de problemas gastrointestinais e inflamação cardíaca.
Por isso, os especialistas ingleses emitiram um alerta, comunicando os médicos de uma provável ligação da Covid-19 com um quadro de síndrome inflamatórias de kawasaki atípico e da síndrome do choque tóxico.
Mas o que são essas síndromes? Segundo o infectologista Jamal Suleiman, do Hospital Emílio Ribas (SP), a síndrome de Kawasaki tem vários sintomas, principalmente vasculites, que são inflamações de vasos sanguíneos, que podem vir acompanhadas de febre. A Kawasaki pode evoluir para um quadro de choque tóxico, uma complicação que pode ser fatal, desencadeada, muitas vezes, por uma bactéria. Ela é caracterizada pela falência de múltiplos órgãos e pode causar a insuficiência respiratória, por exemplo.
O infectologista explica que ainda não foi estabelecida uma relação causal entre o Sars-CoV-2 (chamado de novo coronavírus) com a Kawasaki, mas existe, sim, a probabilidade de haver uma ligação. “Esse vírus não é exclusivamente respiratório, ele promove várias alterações e a Kawasaki pode estar nesse pacote. Podemos ter manifestações cutâneas, que também aparecem em crianças, e diarreias. Isso tudo nada mais é do que uma inflamação”, diz.
No entanto, o especialista ressalta que quadros de Kawasaki são muito raros, ainda mais acompanhados da Covid-19. Seria necessário um estudo para entender quantas pessoas tiveram esse quadro clínico. De acordo com o infectologista, esse comunicado é um alerta para os médicos, pois inicialmente, acreditava-se que o coronavírus causava apenas sintomas gripais, mas ele também pode se manifestar de outras formas.
Os pesquisadores ingleses ainda não sabem se há uma relação de fato entre a síndrome de Kawasaki e o Sars-CoV-2, principalmente porque algumas crianças não foram diagnosticadas com o novo coronavírus. Isso levou os médicos a acreditarem que pode haver um outro patógeno infeccioso por trás da inflamação. Eles foram orientados a pesquisar mais sobre esse quadro, já que não têm informações sobre óbitos e nem de quantas crianças tiveram essa síndrome.
Segundo Nelson Douglas Ejzenbaum, médico pediatra e membro da Academia Americana de Pediatria (AAP), o comunicado dos especialistas ingleses é importante para que os médicos verifiquem também, em casos graves, se as crianças desenvolveram alguma cardiopatia, já que a Kawasaki pode desencadear uma inflamação nos vasos sanguíneos. “Temos que tomar muito cuidado com as medicações prescritas e avaliar bem os adolescentes na parte cardíaca quando tiverem a Covid-19. É importante também analisar os batimentos cardíacos”, reforça.
O pediatra diz que ainda não se sabe os motivos que levam as crianças a desenvolverem quadros mais graves. “Eu diria que as crianças são grupos de risco, porque ainda não sabemos como o vírus se comporta. Além disso, elas estão com o sistema imune ainda se formando. No entanto, é preciso avaliar cada caso individualmente. Percebemos que grande parte das crianças evolui bem. Eu não internei nenhuma, mas isso não significa que não devemos nos preocupar porque pode, sim, haver casos graves, com o desenvolvimento de sérios problemas respiratórios”, explica.
MIOCARDITE X CORONAVÍRUS
Segundo o cardiologista pediátrico Gustavo Foronda, secretário do Departamento de Cardiologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), a miocardite também pode ser causada por vários vírus, entre eles, o coronavírus. O miocárdio é o músculo responsável pela contração do coração e a miocardite é uma inflamação que prejudica a ação de bombeamento do sangue, provocando arritmias e insuficiência cardíaca. “Apesar de não sabermos muito ainda sobre a Covid-19, já temos dados que mostram que, sim, ele pode causar quadros de miocardites, tanto em pacientes já com problemas cardíacos quanto em pacientes sem histórico”, esclarece. “O maior risco são os pacientes idosos, mas ainda temos poucos dados, pois os jovens e as crianças costumam ser menos acometidos ou apresentam quadros mais leves. Talvez, tenhamos várias crianças com casos mais leves que estão passando despercebidos. Mas, em geral, pode acontecer em qualquer faixa etária”, afirma.
Os sintomas mais comuns do coronavírus, de acordo com o especialista, são dores musculares, febre, falta do olfato e complicações no quadro respiratório. No entanto, como a miocardite não costuma ser tão frequente, não há ainda uma taxa exata de incidência. “Um dos primeiros sintomas é a frequência cardíaca aumentada. Jovens ainda podem ter dor no peito, mas, em geral, a taquicardia está presente. Outros sinais são extremidades frias, sudorese fria e sensação de desmaio. Alguns quadros podem ser leves e outros mais graves, com falência miocárdica”, alerta.
Já o infectologista e pediatra Renato Kfouri, vice-presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), diz que é preciso fazer exames e investigar mais detalhes do estado de saúde do paciente, como uma arritmia prévia, o uso de medicamentos e até a presença de outros vírus, para chegar a uma causa realmente conclusiva. “Pode ser apenas uma coincidência. Certamente, o coronavírus pode causar esse problema, assim como pancreatite, a encefalite, uma lesão renal, nefrite… Ele pode se alojar em qualquer órgão do corpo, mas é necessário fazer mais exames para saber se essa é realmente a causa”, afirma.
Créditos: Revista Crescer