Mulher que abortou na tragédia em Mariana luta há 4 anos para que bebê seja reconhecido vítima

Ir ao distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, quatro anos após uma das maiores tragédias do Brasil, é como voltar a 5 de novembro de 2015. Os escombros de muitas casas, com móveis, roupas e objetos pessoais, permanecem como foram deixados, encobertos pela lama de rejeitos que, na tarde daquele dia, vazou da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, e matou 19 pessoas. Memórias deste dia permanecem vivas entre aqueles que ainda tentam reconstruir a vida revirada pela lama.

A ferida de Priscila Monteiro Barros, de 31 anos, continua aberta. Ela sofreu um aborto enquanto lutava contra a avalanche de lama que invadiu a casa onde estava e devastou o distrito de Bento Rodrigues. Apesar de ter comprovação de sua gravidez, a dona de casa ainda luta pelo reconhecimento do filho como vítima da tragédia.

“Meu bebê era uma vítima da Samarco. Hoje eu não tive o prazer de amamentar. Nem o prazer de conhecer nem por ultrassom. De escolher um nome. Eles me impediram isso. (…) Eles fizeram proposta de acordo e falaram para eu esquecer o aborto, mas isso eu não vou fazer”, disse.

No mesmo dia do rompimento, ela completava 28 anos. Estava ansiosa, esperando pelo sogro, que a levaria ao médico para fazer o primeiro ultrassom. No meio da tarde, um estrondo rasgou o silêncio do pacato distrito de Bento Rodrigues.

“Quando olhei, estava aquela poeira enorme vindo. Eu falei: ‘Meu Deus, o que é aquilo?’ A professora, Dona Carminha, passou em frente à minha casa e falou assim: ‘Acho que a barragem se rompeu, corre que vai morrer todo mundo’.”

Ela só teve tempo de pegar o filho Caíque no berço e de se abrigar na casa de uma vizinha, junto com o irmão, Wesley Isabel, de 27 anos, e os sobrinhos Emanuelle e Nicolas. A chegada da lama destruiu por completo o imóvel onde estavam. Em pouco tempo, Priscila perdeu de vista o filho, o irmão e a sobrinha.

“Eu senti muita coisa me batendo, mas não via o que era. Senti uma dor muito forte no abdômen e nas costas. E comecei a suar frio. Só pensei assim: ‘Meu Deus, segura meu filho pra mim'”, contou.

O relato é semelhante ao do irmão. “Ficava três segundos debaixo da lama e dois do lado de fora pra respirar”, lembrou Wesley que foi socorrido e levado para um hospital da região. Priscila foi encaminhada para o Hospital João XXIII, na capital mineira, onde recebeu a notícia de que já não estava grávida.

O alento dela foi rever o filho, Caíque, então aos 2 anos, uma semana depois, ainda no hospital, quando a criança foi passar por um processo de desintoxicação.

Este mesmo conforto Wesley não teve. O corpo de Emanuelle, então com 5 anos, foi encontrado quatro dias depois. Desesperado, ele se entregou às drogas. “Fiquei um tempo usando crack. E falava nela o dia inteiro, o dia inteirinho. Era o tempo todo falando nela”, contou.

Foi preciso ser preso para mudar de vida. “Ainda bem que fui preso. Estava sem limites demais”, afirmou.

Mas, pouco depois de ter sido solto, se separou da esposa, com quem tem outros três filhos. Wesley diz que os valores recebidos pela Samarco mudaram por completo a simplicidade da vida que levavam. E o casamento não resistiu. Hoje, vive de forma improvisada em uma casa alugada pela Samarco.

A Renova informou que casos específicos estão sendo tratados pelos canais de atendimento disponibilizados aos atingidos.

Luto que ainda não terminou

O ciclo de luto ainda não se encerrou para a família de Edmirson José Pessoa, único corpo ainda não encontrado após o rompimento da barragem de Fundão. Reservados, o filho e a esposa preferiram não falar com a imprensa; quem falou foi o advogado da família.

Edmirson tinha 47 anos e era funcionário direto da Samarco havia 19 anos. Segundo o advogado, ele apresentava limitação de locomoção e teria pedido à mineradora, para que fosse transferido de setor, o que foi negado. Com o rompimento da barragem, Bruno Lamis acredita que ele não tenha conseguido se salvar da lama, como fizeram alguns colegas.

Mas a perda do Edmirson não foi o único drama vivido pela família. A ação ajuizada na Justiça Trabalhista, em 2016, só teve desfecho no início deste mês.

“Processo teve que ficar parado praticamente quatro anos uma vez que Edmirson foi o único corpo que o Corpo de Bombeiros não conseguiu localizar. E como não tinha atestado de óbito, o juiz trabalhista entendeu por bem suspender o processo até que tivesse uma prova conclusiva quanto realmente a morte do falecido”.

A decisão, a qual ainda cabe recurso, impõe à Samarco e às acionadas, Vale e BHP Billinton, a indenização à mulher e ao filho de Edmirson em R$ 2 milhões dentro dos reparos trabalhistas. Os dois ainda vão receber R$ 500 mil por danos morais. A esposa dele ainda tem direito a um salário vitalício, equivalente a dois terços da remuneração líquida mensal do trabalhador.

Mas, para o filho de Edmirson, nenhum dinheiro vai suprir a ausência do pai ou encerrar o luto, afirmou o advogado. “Não poderia pegar qualquer quantia em dinheiro antes de achar o corpo do pai. Ele não desistiu ainda. Nem ele, nem a Dona Terezinha.”, concluiu Bruno Lamis.

A Samarco informou que não ia comentar sobre casos específicos. Em nota, disse que celebrou acordos com 17 núcleos familiares das 19 vítimas fatais em razão do rompimento da barragem de Fundão. “A empresa segue em contato com os familiares e seus advogados nos casos que ainda não foram concluídos, buscando a conciliação”, afirmou.

Informações: G1