É fato que o parto domiciliar voltou a ser a escolha de algumas mulheres em busca de tranquilidade e conforto na hora de trazerem seus bebês ao mundo, mas o cenário caseiro ainda não é unanimidade entre os profissionais de saúde. “O domicílio contribui para a evolução natural do parto e reduz intervenções desnecessárias, além de promover mais liberdade para a mulher”, aponta Fernanda Penido, professora do Departamento de Enfermagem Materno Infantil (EMI) da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A principal crítica aponta para o risco de complicações, inerente a qualquer parto, mesmo em gestações que não tenham apresentado problema. “A mulher tem autonomia, mas nós não recomendamos especialmente porque, caso haja uma emergência, você pode não ter tempo de deslocar mãe e bebê para o hospital”, explica Adriana Scavuzzi Carneiro da Cunha, ginecologista e obstetra conselheira do Conselho Federal de Medicina (CFM), entidade que se posiciona contra o procedimento.
Já as entidades de enfermagem, profissão que está habilitada para realizar o parto natural, são favoráveis. “A Organização Mundial de Saúde reconhece o domicílio como um local seguro para o parto, desde que alguns critérios sejam atendidos”, comenta Fernanda. Entre esses critérios, estão o fato da gravidez ter transcorrido sem nenhuma complicação, que o ambiente tenha estrutura – que explicaremos mais abaixo – e esteja próximo de um hospital pronto para atender emergências.
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“Nos países em que este tipo de parto é feito, há um fluxo muito melhor de transferência de pacientes e uma assistência superior à do Brasil”, opina Adriana. Outro ponto é que, embora pesquisas internacionais tenham demonstrado que o parto domiciliar possui seus benefícios, aqui no Brasil ainda não há dados que corroborem a afirmação.
“Temos pouca experiência no país, mas isso porque há uma resistência dos médicos e das entidades em relação ao tema”, pondera Jorge Kuhn dos Santos, professor do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que é favorável ao parto domiciliar realizado da maneira correta.
E como fica o risco?
Continua existindo, mas quem defende a prática diz que não há diferença. “Não há maiores perigos para mãe e bebê desde que o parto seja planejado e a gestação de risco habitual”, aponta Kuhn, que realizava partos domiciliares até as entidades médicas se posicionassem contra eles, em 2012. “Destes, poucos precisaram de idas ao hospital e, na maioria das vezes, isso ocorreu por pedido da própria mulher”, relembra o médico.
Mas não dá para garantir que as coisas serão sempre desta maneira. “Podem acontecer problemas de várias naturezas – de descolamento de placenta à hipotonia, passando por sangramentos e outras complicações para a mãe e o bebê, que nesse cenário tem uma chance maior de ter convulsões e alterações neurológicas”, contrapõe a conselheira do CFM. “E a preocupação maior é que é muito difícil garantir o acesso não só à maternidade, mas a qualquer serviço de saúde no país”, explica Adriana.
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Por isso, quem opta por esse tipo de nascimento deve estar bem certo do que quer. E, claro, alguns requisitos devem ser respeitados. Além do fato da gravidez ter seguido sem percalços, por menores que sejam, a mulher precisa ser bem orientada. “Ela deve conhecer os riscos e assumir a responsabilidade pela decisão juntamente com a equipe de profissionais que a atenderão”, explica Kuhn.
Um momento cercado de carinho
Falando em profissionais, eles são essenciais para o sucesso do parto domiciliar. Devem compor o time pelo menos duas enfermeiras obstetrizes – uma para a mãe e outra para o bebê. Por conta da posição do CFM, os médicos não participam desse momento. Já o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia, embora também recomende o nascimento em um centro de saúde, libera os especialistas para acompanharem suas pacientes onde elas escolherem dar à luz.
Outro ponto fundamental é ter um hospital disponível para emergências a menos de 20 minutos de casa. Vale reforçar que nada impede que o parto não saia como planejado. Este é o motivo pelo qual o acompanhamento de profissionais qualificados é tão importante: como qualquer ocorrência mais séria ainda exigirá deslocamento, quanto antes ela for identificada, melhor.
Por dentro do parto domiciliar
Além da equipe, o ambiente deve dispor de toalhas limpas, lençóis grandes, espaço para a gestante se locomover e um meio de transporte disponível e adequado. Como a anestesia só é aplicada em hospitais, se as dores ficarem intensas demais, a mulher pode transferir o parto para a instituição – esse é, aliás, um dos principais motivos de remoção.
Também é importante lembrar que o processo pode se estender por horas. “O primeiro filho demora em média 12 horas, mas como toda média tem seus desvios, podemos considerar uma faixa entre 10 e 18 horas”, ensina Kuhn. Nesse período, a mulher fica livre para se mexer, comer, testar posições e usar métodos não farmacológicos, como exercícios e banho, para aliviar a dor. A família e o parceiro, assim como a doula, são elementos fundamentais nesta história, fornecendo apoio à nova mãe.
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Enquanto isso, os profissionais de saúde que acompanham o nascimento observam a evolução das etapas do parto. Isso porque a demora excessiva é um dos fatores que determina o risco para mãe e bebê – e que pode fazer o parto terminar no hospital. Há mais complicações que exigem auxílio hospitalar – é o caso da presença de mecônio (as fezes do bebê) no líquido amniótico, a queda de batimentos cardíacos fetais e outras mais raras, como o descolamento de placenta e a ruptura uterina.
Se o bebê nasce bem, o que ocorre na maioria dos casos, nos primeiros 30 minutos a prioridade é deixá-lo em contato pele a pele com a mãe. “O objetivo é que ele já tenha o contato com o peito e todos os outros procedimentos necessários, como pesar, medir, limpar e realizar alguns testes aconteçam só depois disso”, ensina Fernanda.
Afinal, fazer ou não fazer?
A ciência comprova benefícios, como menos intervenções médicas e menos risco de complicações para a mãe, mas ainda há discordância quando o assunto é o risco para o bebê. Uma grande revisão de 2015 feita pela Universidade de Michigan, que analisou mais de 20 estudos ao redor do mundo, concluiu que ele é semelhante ao do hospital. Mas, em parecer de 2017 sobre o assunto, o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia observou um risco duas vezes maior de mortalidade neonatal.
Tanto que esta própria entidade reforça que as estratégias mencionadas acima colaboram para reduzir o perigo. No Brasil, as pesquisas e números sobre o assunto consideram também os partos domiciliares não planejados, o que dificulta avaliações pois o nascimento acidental fora do hospital envolve mais riscos.
“Percebemos que o parto planejado ainda é minoria, mas, mesmo que a maior parte dos nascimentos seja intra-hospitalar, ainda não temos um desfecho tão positivo quanto à mortalidade materno infantil”, contrapõe Fernanda. “Infelizmente, em um país com uma taxa tão alta de cesáreas, o parto domiciliar ainda é visto com muito preconceito”, completa.
Segundo a Unicef, em países desenvolvidos – onde o parto domiciliar é encarado com mais naturalidade – são 3 mortes a cada mil nascimentos. Aqui no Brasil, são 13,82. Não dá para dizer que basta investir mais em partos domiciliares para resolver o problema, mas certamente algumas práticas relacionadas a ele bem que poderiam ser mais adaptadas às instituições de saúde – e nisso todos concordam.
“Seria mais interessante unir o aspecto humanizado e a atmosfera acolhedora do parto domiciliar à segurança do ambiente hospitalar, algo que ainda precisa ser melhor trabalhado no Brasil”, aponta Adriana. De qualquer maneira, a escolha deve ser da mulher, outro ponto citado por todos os lados da história ouvidos pela reportagem.
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