“Foram nove anos sendo abusada praticamente todos os dias. Era algo cotidiano, coisa rotineira. Perdi as contas de quantas vezes fui vítima. Tinha vez que chegava a ser estuprada duas vezes no dia”. O relato é da estudante de Direito Eva Luana da Silva, de 21 anos, que usou as redes sociais para relatar que ela e a mãe foram constantemente violentadas e torturadas durante anos pelo padrasto.
A jovem relatou que ainda se sente com medo mesmo após prisão de padrasto Thiago Oliveira Alves, na semana passada, após ela ter procurado a Polícia Civil para denunciar o caso. É que as lembranças dos momentos de terror que viveu por mais de oito anos ainda as deixa inquieta.
“Não tenho como dizer o que foi mais terrível, porque tudo foi muito ruim. No entanto, os abusos e os estupros foram mais fortes. As torturas que sofri mexeram muito comigo, com o meu psicológico. Em determinadas ocasiões, passava um dia inteiro sendo torturada”, destacou.
Como resultado dos estupros cometidos pelo padrasto desde que ela tinha 12 anos, a jovem disse que fez vários abortos. “Foram quatro ou cinco vezes”, lembra.
Eva levou o caso a público após relatar em cinco posts no Instagram toda a violência pela qual foi submetida dentro da própria casa, e que teve início quando ela tinha 12 anos. Ela conta que a mãe era constantemente vítima do companheiro e que, depois, passou a ser alvo dele também.
Artistas compartilharam as postagens da estudante.
A delegada Florisbela Rodrigues, titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de Camaçari, que apura o crime, confirmou que a jovem prestou depoimento. A mãe dela também falou com a polícia e confirmou as denúncias da filha.
O homem está preso desde quarta-feira, na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) de Camaçari, onde a jovem fez a denúncia, no dia 30 de janeiro. Natural de São Paulo, o suspeito atuava como assessor técnico da Secretaria Municipal de Habitação de Camaçari mas foi exonerado no dia 1º de fevereiro.
Eva conta que não teve mais contato com o padrasto, porque saiu de casa com a mãe por medo, mas diz que ficou sabendo que ele estava as procurando.
“Depois da denúncia, não recebi nenhuma ameaça direta dele, até porque também saí de casa com a minha mãe e ficamos sob a proteção da Justiça e de amigos. Só que pessoas me disseram que ele estava me procurando e tentando me rastrear. Meu namorado, que me ajudou a criar coragem para denunciar o caso, recebeu algumas ameaças e, até que ele fosse preso, foi para o interior por segurança”, destacou.
após Eva ter feito a denúncia, a Justiça concedeu uma medida protetiva para que Thiago não se aproximasse dela e nem da mãe e da irmã. O homem, então, foi obrigado a sair de casa e alugar uma casa para morar.
Ela conta, no entanto, que, antes de ser preso, ele descumpriu a medida que o obrigava a ficar distante das vítimas por, no mínimo, 300 metros. A jovem conta que ele foi até a casa dela e destruiu provas, antes do cumprimento de um mandado de busca e apreensão.
“Ele foi na minha casa. Quando a gente foi com a polícia lá, para pegar as provas, meu guarda-roupa estava todo revirado. Ele conseguiu desfazer todas as provas. Conseguiu quebrar a bateria do celular dele inteira. Quebrou o celular dele no meio. Quebrou meu guarda-roupa procurando papéis dele, documentos. As malas dele, bolsas dele.
“Com a prisão dele, é como se eu tivesse aprendendo a andar novamente. Voltei a ir a praia, a poder voltar tarde da rua, a ir em um restaurante, coisas que ele me privava de fazer”, destaca.
Eva diz que a mãe também ainda está muito abalada. “Ela está comigo sob proteção da Justiça e, assim como eu e todo mundo, quer que ele pague pelo que fez. Queremos justiça. Nunca vou esquecer as cenas que eu vi e as dores que eu senti”, destacou.
Abusos e torturas
Após a tentativa frustrada de levar o padrasto para a cadeia, quando tinha 13 anos, a jovem disse que os abusos, torturas e agressões aumentaram. O pai biológico não conviveu com ela e a mãe — Eva diz que só o conheceu quando tinha 14 anos.
“O Estado falhou a tal ponto, que o meu caso não chegou nem ao Ministério Público. Fui obrigada a retirar a queixa por ameaças do meu padrasto. Ele utilizou o poder financeiro pra comprar a liberdade e comprar a minha alma. Porque ali eu perdi a minha alma. E o que eu fui denunciar, 1 ano de sofrimento, se multiplicou em mais 8 anos”, relatou.
“As agressões eram verbais, físicas e psicológicas. Entre elas comer muito, em tempo estipulado. Isso aconteceu com uma pizza família, pra comer inteira em 10 minutos. Óbvio que não conseguimos. Também tomar 2 litros de refrigerante nesses 10 minutos. Eu levei socos no rosto, e ele não me deixava me proteger com a mão”.
“Chutes até cair no chão e, de quatro, ele enfiou as pizzas na minha boca, me chamando de animal. Eu vomitei e comi meu próprio vômito. Meu gato comeu um pedaço e lambeu outro, ele me obrigou a comer o que ele havia lambido”, destacou.
A jovem ainda relatou que era obrigada a fazer trabalhos de faculdade para o padrasto e que era torturada caso se negasse. Ela também disse que A jovem conta que tinha o celular vistoriado todos os dias e que era proibida de sair com amigos e de namorar.
A jovem ainda relata nos posts que decidiu novamente denunciar o padrasto e pedir ajuda, agora, porque “ou ele mataria ou eu me mataria”.
“Tentei me suicidar várias vezes com cortes e remédios. Eu contei a verdade pois não aguentava mais”.
“Ele me agredia nos estupros, mas depois de um tempo, só utilizou das ameaças contra a minha família. Eu era usada como um lixo. Já abortei diversas vezes. Nunca pude ir ao médico pra fazer curetagem. Todas as vezes sangrava e passava mal a noite inteira. Já vi os bebês inteiros no vaso sanitário. Eu era chamada de burra, anta, doente, demente todos os dias, e era obrigada a repetir isso pra mim mesma”, relata a jovem.
“Ele é um monstro. Perdi minha infância e adolescência. Me sentia um lixo por não ter forças pra pedir ajuda e por sentir tanto medo”, afirmou.
m nota, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) informou que ofereceu denúncia contra o suspeito no dia 11 de fevereiro, por todos os crimes narrados pela vítima. O MP afirmou que recebeu o inquérito da Delegacia de Atendimento à Mulher de Camaçari, no dia 7 de fevereiro, e ouviu a vítima no dia seguinte.
O Ministério Público informou também que solicitou medida de busca e apreensão de provas contra o suspeito, que cumprida no mesmo dia da prisão dele. A promotora de Justiça Anna Karina Senna, substituta na 10ª Promotoria de Justiça de Camaçari, e outras cinco promotoras de Justiça foram designadas para atuar na análise do inquérito. O processo penal está em segredo de justiça por força de lei, informou o MP-BA.